Skip to main content

Crianças e adolescentes são os mais afetados pelas formas graves de dengue, apontam estudos com dados do Maranhão e de outras regiões do Brasil. As pesquisas foram conduzidas por uma equipe de profissionais da saúde, pesquisadores e alunos da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e trazem evidências importantes sobre os riscos de mortalidade e os sinais clínicos de gravidade em pacientes pediátricos.

Publicados nas revistas Clinics e Revista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo, os estudos reforçam a necessidade de estratégias específicas para proteção das populações mais jovens, especialmente em contextos com infraestrutura de saúde limitada.

Dengue: uma emergência persistente na América Latina e no Brasil 

A dengue permanece como uma das doenças infecciosas de maior impacto nas Américas. Em 2024, a região registrou o recorde de mais de 12,6 milhões de casos prováveis da doença e 7.680 mortes, segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). 

O Brasil respondeu sozinho por mais da metade dos casos nas Américas no ano passado. Dados do Ministério da Saúde indicam que o país registrou 6,8 milhões de casos prováveis em 2024, com mais de 2.800 óbitos. 

Em 2025, o número de casos vem apresentando queda em relação ao ano anterior, mas o volume ainda é expressivo. Até a segunda quinzena de abril, o Brasil já havia contabilizado mais de 1 milhão de casos prováveis de dengue e 668 mortes confirmadas, com outras 724 em investigação [CNN Brasil, 2025]. Estados como São Paulo, Minas Gerais e Distrito Federal seguem com alta incidência, sobrecarregando unidades de urgência e hospitais. 

Neste contexto de circulação intensa do vírus e pressão sobre os serviços de saúde, torna-se ainda mais necessário compreender como a dengue se manifesta entre diferentes grupos populacionais — especialmente os mais vulneráveis. 

Casos graves de dengue se concentram em crianças e adolescentes em São Luís

O pesquisador José de Jesus Dias Júnior, ao lado de Maria dos Remédios Freitas Carvalho Branco e outros autores da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), investigou mais de 14 mil casos de dengue notificados em São Luís entre 2002 e 2011. O objetivo foi compreender como a gravidade clínica da doença se distribui entre diferentes grupos etários e sociais.

O estudo Análise dos casos de dengue segundo a gravidade clínica, São Luís, Maranhão, Brasil (Analysis of dengue cases according to clinical severity, São Luís, Maranhão, Brazil, em inglês), publicado na Revista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo, utilizou dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) — banco nacional que reúne registros de doenças notificadas em todo o Brasil. Os casos foram classificados conforme os critérios clínicos do Ministério da Saúde: dengue clássica, dengue com complicações e febre hemorrágica da dengue.

Entre os principais achados, os autores observaram que a maioria dos casos graves se concentrou em áreas com maiores índices de vulnerabilidade social, evidenciando a relação entre a gravidade da dengue e desigualdades no acesso a diagnóstico e atendimento

Entre as manifestações clínicas mais frequentes nos quadros graves estavam dor abdominal intensa, petéquias (pequenas manchas avermelhadas na pele) e sangramento gastrointestinal — sintomas que exigem atenção imediata.

Os resultados mostraram que crianças e adolescentes com menos de 15 anos representaram dois em cada três casos graves, mesmo sendo minoria entre os infectados. Segundo os autores, o achado reforça que a faixa etária pediátrica merece atenção especial nos protocolos de vigilância e atendimento.

Além do risco aumentado, crianças tendem a ser diagnosticadas mais tardiamente, seja pela dificuldade em comunicar sintomas como dor abdominal ou tontura, seja pela rapidez com que a perda de líquidos e alterações circulatórias comprometem o organismo infantil.

O estudo destaca a importância de reforçar a capacidade de resposta da atenção básica e dos serviços de pronto atendimento, sobretudo em bairros com maior densidade populacional e vulnerabilidades sociais — características presentes em muitas áreas da capital maranhense. 

Como recomendação prática, os autores apontam a necessidade de capacitar equipes para reconhecer precocemente os sinais de gravidade em pacientes mais jovens.

Estudo identifica sinais clínicos associados à morte por dengue grave em crianças

Com o objetivo de compreender melhor os fatores associados à mortalidade infantil por dengue grave, Maria dos Remédios Freitas Carvalho Branco e colegas conduziram um estudo de caso-controle com crianças internadas em São Luís. 

O artigo Fatores de risco associados ao óbito em crianças brasileiras com dengue grave: um estudo caso-controle (Risk factors associated with death in Brazilian children with severe dengue: a case-control study, em inglês) foi publicado no periódico Clinics e teve como base os prontuários de 95 pacientes com menos de 13 anos internados em São Luís, todos com diagnóstico laboratorial confirmado. Desse total, 18 evoluíram para óbito. Os demais 77 formaram o grupo controle, composto por crianças que sobreviveram.

O principal objetivo foi comparar os sinais clínicos presentes nos dois grupos e identificar quais deles estavam mais frequentemente associados aos casos fatais. Os resultados mostraram que hemoptise (sangramento pulmonar), epistaxe (sangramento nasal) e vômitos persistentes estiveram significativamente mais presentes nos casos fatais.

Esses sinais fazem parte da lista de “sinais de alerta” da Organização Mundial da Saúde, adotada também pelo Ministério da Saúde no Brasil. No entanto, como mostram os autores, o reconhecimento desses sintomas nem sempre ocorre de forma imediata, especialmente em ambientes com limitações de pessoal e estrutura para atendimento pediátrico intensivo.

Um dado importante do estudo é que os exames laboratoriais, como contagem de plaquetas e hematócrito, não se mostraram decisivos para prever o risco de morte. Isso reforça o papel da observação clínica contínua e da escuta atenta aos relatos de sintomas por parte da criança e dos responsáveis. 

Identificar precocemente sintomas como dor abdominal intensa, sangramentos e vômitos persistentes pode ser decisivo para evitar complicações. “A escuta atenta aos sintomas e a avaliação clínica cuidadosa são fundamentais no atendimento pediátrico, principalmente em regiões com poucos recursos hospitalares”, afirma Maria dos Remédios Branco.

Na dengue pediátrica, tempo e atenção fazem diferença

Uma análise do Global Burden of Disease Study, publicada em 2024, estimou que mais de 40% das internações e cerca de 30% das mortes por dengue ocorrem em pessoas com menos de 20 anos. Os autores da análise ressaltam que países da América Latina — incluindo o Brasil — concentram algumas das maiores taxas de impacto da doença nessa faixa etária.

Os estudos realizados em São Luís se inserem em um campo ainda pouco explorado pela literatura científica brasileira: a dengue grave em crianças e adolescentes.  Ao detalhar a proporção de casos graves, como os sinais clínicos se manifestam e quais fatores estão mais associados ao desfecho fatal em crianças, ajudam a orientar o atendimento pediátrico em contextos onde a estrutura hospitalar é limitada — realidade comum em muitas áreas do Brasil. 

Em um momento de ampla circulação viral, reconhecer os sinais de gravidade com antecedência e garantir uma resposta ágil são passos fundamentais para proteger a infância e tornar o sistema de saúde mais eficiente e responsivo.


📄 Sobre os artigos

1. Analysis of dengue cases according to clinical severity in São Luís, Maranhão, Brazil
Publicado em: Revista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo (2017)
Autores: José de Jesus Dias Júnior, Maria dos Remédios Freitas Carvalho Branco, Rejane Christine de Sousa Queiroz, Alcione Miranda dos Santos, Emnielle Pinto Borges Moreira e Maria do Socorro da Silva
Link: Acessar artigo

2. Risk factors associated with death in Brazilian children with severe dengue: a case-control study
Publicado em: Clinics vol.69 (2014)
Autores: Maria dos Remédios Freitas Carvalho Branco, Expedito José de Albuquerque Luna, Leônidas Lopes Braga Júnior, Ricardo Villar Barbosa de Oliveira, Lívia Teresa Moreira Rios, Maria do Socorro da Silva, Maria Nilza Lima Medeiros, Gilnara Fontinelle Silva, Fernanda Campos Amaral Figueiredo Nina, Taliane Jardim Lima, Jayron Alves Brito, Avessandra Costa Cardoso de Oliveira, Claudio Sergio Pannuti
Link: Acessar artigo

Referências

GLOBAL BURDEN OF DISEASE COLLABORATORS. Global, regional, and national burden of dengue infection in children and adolescents: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2019. The Lancet eClinicalMedicine, [S.l.], v. 72, 101611, 2024. Disponível em: https://www.thelancet.com/journals/eclinm/article/PIIS2589-5370(24)00522-4/fulltext. Acesso em: 29 abr. 2025.

MINISTÉRIO DA SAÚDE (Brasil). Plano de Contingência Nacional para Dengue, Chikungunya e Zika – 2025. Brasília: MS, 2025. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/guias-e-manuais/2025/plano-de-contingencia-nacional-para-dengue-chikungunya-e-zika.pdf. Acesso em: 21 abr. 2025.

CNN BRASIL. Dengue no Brasil: mais de 1 milhão de casos prováveis em 2025. Publicado em 18 abr. 2025. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/dengue-no-brasil-mais-de-1-milhao-de-casos-provaveis-em-2025/. Acesso em: 21 abr. 2025.

ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE (OPAS). Situação Epidemiológica – Dengue nas Américas – Semana 13/2025. Disponível em: https://www.paho.org/sites/default/files/2025-04/2025-cde-dengue-sitrep-americas-epi-week-13-apr.pdf. Acesso em: 21 abr. 2025.

Maíra Carvalho

Estrategista de Comunicação Digital. Idealizadora e gestora de conteúdo do site da Dra. Maria dos Remédios — do design à estratégia digital, passando por SEO, conteúdo e redes sociais.

Deixe um comentário

Close Menu